Aprendizagem Baseada em Investigação (ABI): o que é e como utilizar em sala de aula
- Jeferson Costa
- Apr 15
- 9 min read
Resumo: A Aprendizagem Baseada em Investigação (ABI) é uma metodologia ativa que coloca os alunos no centro do processo de aprendizagem, desafiando-os a explorar questões do mundo real por meio de pesquisa, experimentação e reflexão. Com raízes no construtivismo, a ABI desenvolve habilidades essenciais como pensamento crítico, criatividade e autonomia, aplicável em todas as disciplinas. Apesar de seus benefícios — como maior engajamento e preparação para desafios contemporâneos —, a metodologia exige planejamento, flexibilidade e apoio do professor para superar desafios como complexidade das tarefas e tempo de execução. Nesse texto, detalhamos as suas etapas, diferenças em relação a outras metodologias (como ABPj e ABPb), estratégias de aplicação e avaliação, além de exemplos práticos que ilustram seu potencial transformador na educação.

A Aprendizagem Baseada em Investigação (ABI) é uma técnica de metodologia ativa que incentiva a capacidade de investigação dos alunos e tem ganhado espaço nos últimos anos. Mas o que é essa técnica e como aplicá-la em sala de aula?
Nesse texto, vamos:
Explicar o que é a Aprendizagem Baseada em Investigação (ABI)
Entender os benefícios e os desafios com a aplicação da ABI
Compreender como a ABI pode ser utilizada na sala de aula
O que é a Aprendizagem Baseada em Investigação (ABI)?
A ABI é uma metodologia ativa em que os alunos são desafiados a investigar questões ou problemas, buscando respostas por meio de pesquisa, experimentação e reflexão. Ela não é uma metodologia tão recente, mas tem ganhado muito espaço nos últimos anos, principalmente pela sua capacidade de incentivar habilidades essenciais para a manutenção de uma sociedade baseada em tecnologia (Harlen, 2013).
Embora essa metodologia seja mais conhecida nas disciplinas das ciências naturais (biologia, física e química), ela é aplicável em praticamente todas as disciplinas, desde que o professor busque fazer perguntas significativas e utilize processos de pesquisa adequados (Blessinger & Carfora, 2014). Alguns exemplos de perguntas orientadoras fora das ciências naturais são:
Língua Portuguesa e Literatura: "Por que algumas gírias desaparecem e outras viram linguagem formal?"
Matemática: "Por que as embalagens têm formatos geométricos específicos?"
História: "Como a propaganda foi usada em regimes ditatoriais?"
Geografia: "Por que migrantes venezuelanos escolhem o Brasil?"
Há uma grande diversidade de modelos de ABI, mas há alguns princípios gerais que são observados em todos eles (Tsivitanidou et al., 2018):
Os alunos são envolvidos em perguntas significativas que refletem o mundo real
Os alunos aprendem a pesquisar e analisar o conhecimento atual e criticar evidências
Os alunos desenvolvem argumentos e hipóteses para responder as perguntas apresentadas
Os alunos aprendem a avaliar seus argumentos e hipóteses à luz das evidências apresentadas
Os alunos aprendem a comunicar suas ideias e justificar seus argumentos
O principal valor da ABI é apresentar os alunos para os princípios da investigação, guiando-os por um processo orientado por perguntas e através da elaboração de explicações para o mundo e a validação delas através de experimentação. Esse processo funciona como um letramento científico
Fundamentação da ABI
A essência da ABI, que é o questionamento do mundo ao redor e a tentativa de explicá-lo, pode ser rastreada até os primórdios da civilização humana. Esse espírito questionador e inquieto pode ser observado, por exemplo, nos registro de figuras históricas, como Sócrates, na Grécia Antiga. O método dele envolvia utilizar perguntas para avaliar conceitos complexos, como a justiça (Friesen & Scott, 2013).
A ABI como técnica estruturada tem raízes no construtivismo (Piaget, Vygotsky), que defende que o conhecimento é construído ativamente pelo aluno. John Dewey também influenciou essa abordagem ao defender que a educação deve estar ligada à experiência e à investigação.
Etapas da ABI:
Ao longo das décadas, diversos modelos de ABI foram propostos, cada um com um número de fases diferentes. Porém eles podem ser organizados na proposta com as seguintes fases (Pedaste et al., 2019):

Orientação: fase inicial onde o professor estimula a curiosidade da turma sobre um assunto e apresenta um desafio de aprendizagem através de uma questão-problema;
Conceitualização: fase onde os alunos fazem perguntas sobre a questão-problema (questionamento) e também podem elaborar as hipóteses de resposta à questão-problema (geração de hipóteses);
Investigação: fase onde os alunos levantam dados de pesquisas e conteúdos que enderecem a questão-problema (exploração), além disso eles também podem desenhar, executar e coletar dados de experimentos (experimentação);
Conclusão: fase de finalização onde os alunos derivam conclusões a partir dos dados levantados, avaliando as hipóteses geradas e a questão-problema;
Discussão: essa fase inclui três sub-fases. A primeira, que é a discussão, pode ocorrer em qualquer momento da ABI e se refere à discussão sobre o tema, sobre a questão-problema, a metodologia ou qualquer outro tópico importante. As outras duas podem ocorrer em qualquer momento após a orientação. Elas incluem momentos onde os alunos podem apresentar suas descobertas, seja de alguma etapa da pesquisa ou da conclusão, através da comunicação com outros alunos (comunicação) ou momentos onde os alunos realizam atividades reflexivas sobre o andamento da investigação (reflexão).
Uma observação importante a fazer é que a ordem das fases e sub-fases pode variar bastante (como evidenciado pelas setas na imagem), inclusive é comum os alunos voltarem para fases anteriores (como, por exemplo, quando surgem novas perguntas durante a fase de exploração e os alunos voltam para a contextualização, para pesquisar mais). Essa é uma realidade comum em pesquisas e os professores precisam administrar esse fluxo mais complexo com os alunos.
O professor pode utilizar recursos tecnológicos em todas as etapas, a fim de ajudar a transmitir informações para os alunos, apoiar os alunos nas pesquisas, discussões e comunicações. Entretanto, vale ressaltar que o uso dessas tecnologias precisa ser feito com a orientação do professor, de modo a não ser prejudicial para os alunos (Albuquerque et al., 2017).
Diferenças entre a ABI e as Aprendizagens Baseadas em Projetos (ABPj) e Problemas (ABPb)
Agora que entendemos as etapas da ABI, é importante diferenciarmos essa metodologia das ABPj e ABPb. Apesar das suas semelhanças (como a base em situações reais, o trabalho colaborativo, o desenvolvimento de habilidades de criatividade, pensamento crítico e resolução de problemas), essas três metodologias apresentam diferenças importantes.
Representamos as diferenças entre elas na tabela a seguir (parte do conteúdo foi adaptado de Zompero et al., 2019):
CARACTERÍSTICA | ABI | ABPb | ABPj |
Foco principal | Aprender através do questionamento e pesquisa | Aprender através da resolução de problemas complexos | Aprender através da entrega de um produto ou solução tangível envolvendo interdisciplinaridade |
Estrutura | Processo cíclico de investigação | Análise do problema, pesquisa e reanálise | Planejamento, execução e apresentação do projeto |
Hipótese | As hipóteses são geradas depois do estudo e são testadas | As hipóteses orientam o que precisa ser estudado | Não há elaboração de hipóteses tradicionais |
Duração | Variável | Geralmente mais curta e focada | Geralmente mais longa e com entregas parciais |
Resultado final | Conclusões ou respostas à pergunta inicial | Solução ou proposta para o problema | Produto final (que pode ser de vários tipos) |
Vale ressaltar que essas metodologias podem se complementar, sendo aplicadas em conjunto. Por exemplo, a metodologia da Aprendizagem Baseada em Projeto Investigativo (ABPjI) inicia o processo com um processo investigativo e finaliza com um projeto que resulta numa entrega factível, como uma apresentação ou até um produto físico, como uma maquete (Chu et al., 2017).
Avaliação na ABI
Na ABI, a avaliação precisa ir além de provas tradicionais, priorizando processos e competências. Em vez de focar apenas em respostas certas ou erradas, o professor precisa observar como os alunos formulam perguntas, buscam fontes confiáveis, analisam dados e colaboram com os outros colegas. A avaliação precisa ser contínua, acompanhando cada etapa da investigação, desde a definição do problema até a conclusão (Harlen, 2013).
Nesse sentido, ferramentas como rubricas, diários de bordo e apresentações orais são essenciais para avaliar habilidades como pensamento crítico, criatividade e autonomia. Avaliações em pares e autoavaliações também enriquecem o processo, pois os alunos refletem sobre suas contribuições e dificuldades.
Um dos desafios é garantir critérios claros e justos, já que diferentes grupos podem seguir caminhos distintos na mesma investigação. Para isso, é importante definir objetivos mensuráveis desde o início (ex.: "O aluno demonstra capacidade de comparar fontes?" ou "A análise dos dados foi fundamentada?").
Por fim, a ABI também pode ter avaliações mais conectadas à entregas no mundo real. Por exemplo, se a turma investigou o problema "Como reduzir o lixo na escola?", ela pode acabar desenvolvendo um produto final como uma campanha ou proposta de ação, que pode ser avaliado por sua aplicabilidade e impacto. Essa abordagem não só mede a aprendizagem, mas também valoriza a capacidade de transformar conhecimento em ação, preparando os alunos para desafios além da sala de aula.
Benefícios com a utilização da ABI
Alguns dos benefícios observados com a utilização dessa técnica são:
Melhora do aprendizado: a aplicação da técnica demonstrou uma capacidade de melhorar a aprendizagem em diversos estudos (Puddu, 2017), principalmente em ciências (Panasam & Nuanchalerm, 2010; Harlen, 2013; Abdi, 2014) e matemática (Ernst et al., 2017; Ernst, 2023; Fitch, 2024);
Maior envolvimento dos alunos: como essa metodologia envolve uma participação ativa profunda, ela consegue aumentar a motivação, atenção, colaboração e participação dos alunos (Faria et al., 2020; Bayram et al, 2013);
Desenvolve habilidades essenciais ao mercado de trabalho: a ABI consegue desenvolver habilidades muito essenciais à vida social e mercado de trabalho do século XXI, como o pensamento crítico, resolução de problemas, planejamento, priorização, comunicação, entre outras (Chu et al., 2017).
Desafios na utilização da ABI
Apesar dos benefícios, a ABI apresenta desafios em sua aplicação, como (Edelson et al., 2011; Khalaf & Zin, 2018):
Baixa motivação dos alunos: as atividades de investigação são muito mais desafiadoras do que as práticas tradicionais de ensino e, por isso, os alunos precisam estar muito motivados e envolvidos com a tarefa;
Complexidade das tarefas de investigação: para que os estudantes consigam performar bem a investigação, eles precisam fazer atividades complexas, como o planejamento de pesquisa, elaboração de hipótese, experimentação, coleta e análise de dados. Nenhuma dessas atividades é comum aos alunos e, por isso, demanda treinamento;
Treinamento docente: a eficiência dessa técnica depende da aplicação correta dela, bem como do acompanhamento adequado por parte do docente, o que demanda um treinamento do professor nessa metodologia.
Tempo de execução: o processo investigativo exige mais tempo do que as aulas tradicionais e seu planejamento deve ser feito de maneira a se encaixar no horário da aula (ou das aulas, caso ela seja dividida);
Como aplicar a ABI na sala de aula?
Para superar esses desafios, os professores podem adotar as seguintes estratégias:
Definindo o tema:
Uma dica para professores novatos na metodologia: o ideal é começar com investigações mais simples e depois ir partindo para temas mais complexos;
Organizando as etapas:
De modo geral, a ABI segue as fases apontadas anteriormente, mas o professor pode ajustar o seu nível de interferência e, por consequência, o nível de autonomia dos alunos de acordo com o nível deles e sua familiaridade com métodos investigativos (Maximino, 2021).
Por exemplo: para uma primeira vez de aplicação, o professor pode fornecer a pergunta de pesquisa, os procedimentos a serem feitos, que vão guiar os alunos para os resultados esperados. A medida em que a turma for evoluindo, eles podem ficar mais autônomos.
Apresentando o tema e situação-problema:
O professor pode criar um evento-gatilho para apresentar o problema (por exemplo, um vídeo, palestra de convidado, visita de campo, leitura de texto etc) de maneira a despertar a curiosidade e o interesse dos alunos
Nesse momento, é possível introduzir uma discussão inicial sobre o tema, especialmente entre os alunos. É importante que o professor medeie esse momento para que ele seja rico e todos possam contribuir (Cam, 2020)
Fase de conceitualização:
Uma das tarefas dessa fase é propor o planejamento metodológico da pesquisa. É importante que o professor ajude os alunos a manter o planejamento dentro do escopo do calendário previsto (Maximino, 2021);
Fases de pesquisa e experimentação:
É importante ajudar os alunos a fazer buscas mais eficientes e em fontes mais confiáveis. Uma ideia é fazer uma parceria com a biblioteca da escola e já deixar um roteiro de pesquisa para os alunos (Maximino, 2021);
Finalizando a dinâmica:
Para valorizar mais os produtos feitos pela turma, o professor pode organizar uma feira para expor as pesquisas realizadas pela turma (por exemplo, uma feira de ciências).
Referências:
Abdi, 2014. The Effect of Inquiry-based Learning Method on Students’ Academic Achievement in Science Course. Universal Journal of Educational Research, 2(1) pp. 37-41.
Albuquerque et al., 2017. Aprendizagem Baseada em Investigação integrada às Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação no Ensino de Ciências: uma revisão da literatura. XI Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências.
Bayram et al, 2013. Effect of inquiry based learning method on students' motivation. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 106, pp. 988-996.
Blessinger & Carfora, 2014. Inquiry-Based Learning for the Arts, Humanities, and Social Scientes: A Conceptual and Practical Resource for Educators. Emerald: Howard House.
Cam, 2020. Philosophical Inquiry: combining the tools of Philosophy with Inquiry-Based Teaching and Learning. Rowman & Littefield: Maryland.
Chu et al., 2017. 21st Century Skills Development Through Inquiry-Based Learning: From Theory to Practice. Springer: Singapore.
Edelson et al., 2011. Addressing the Challenges of Inquiry-Based Learning Through Technology and Curriculum Design. Journal of the Learning Sciences, 8 (3 & 4), pp. 391-450.
Ernst, 2023. An Introduction to Proof via Inquiry-Based Learning. LibreTexts.
Ernst et al., 2017. What Is Inquiry-Based Learning? Notices of the AMS, 64(6), pp. 570-574.
Fitch, 2024. An IBL Introduction to Geometries. LibreTexts.
Friesen & Scott, 2013. Inquiry-Based Learning: A Review of the Research Literature.
Harlen, 2013. Inquiry-based learning in science and mathematics. Review of Science, Mathematics and ICT Educacion, 7(2), pp. 9-33.
Maximino, 2021. Feiras de ciências e tecnologias sociais: Um guia para potencializar a aprendizagem por
investigação. UNIFESSPA.
Panasam & Nuanchalerm, 2010. Learning Outcomes of Project-Based and Inquiry-Based Learning Activities. Journal of Social Sciences, 6 (2), pp. 252-255.
Pedaste et al., 2019. Phases of inquiry-based learning: Definitions and the inquiry cycle. Educational Research Review. 14, pp. 47-61.
Puddu, 2017. Implementing Inquiry-based Learning in a Diverse Classroom: Investigating Strategies of Scaffolding and Students’ Views of Scientic Inquiry. Logos: Berlin.
Tsivitanidou et al., 2018. Professional Development for Inquiry-Based Science Teaching and Learning. Springer: Gewerbestrasse.
Zompero et al., 2019. Ensino por investigação e aproximações com Aprendizagem Baseada em Problemas. Debates em Educação, 11(25).
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