top of page

Aprendizagem entre pares (peer instruction): o que é e como utilizar

Updated: Apr 14

Resumo: A Aprendizagem entre Pares (Peer Instruction) é uma metodologia ativa que promove a construção do conhecimento por meio da interação colaborativa entre alunos. Baseada em princípios socioconstrutivistas, a técnica substitui aulas expositivas por dinâmicas em que os alunos debatem respostas a perguntas desafiadoras, explicam conceitos uns aos outros e recebem feedback imediato. Nesse texto, detalhamos desde os fundamentos teóricos até estratégias práticas para aplicação em sala de aula, criando um guia valioso para educadores.



Crianças em uma sala de aula sentam-se no chão, envolvidas em uma atividade em grupo. Cartazes coloridos estão no fundo, criando uma atmosfera animada.

A aprendizagem entre pares é um modelo de metodologia ativa que tem ganhado espaço nas escolas nos últimos anos, principalmente pela sua capacidade de incentivar a interação social entre alunos e melhorar o processo de ensino-aprendizagem.


Nesse texto, vamos:

  1. Explicar o que é a Aprendizagem entre pares

  2. Entender os benefícios e desafios da Aprendizagem entre pares

  3. Compreender como a Aprendizagem entre pares pode ser utilizada na sala de aula



O que é a aprendizagem entre pares (Peer Instruction)?


Em resumo:

A Aprendizagem entre Pares (Peer Instruction) é uma estratégia pedagógica colaborativa na qual os alunos aprendem uns com os outros por meio da discussão, explicação e resolução conjunta de problemas (Mazur, 1997).

Essa estratégia foi desenvolvida pelo físico Eric Mazur no final da década de 1990 e surgiu como uma crítica do autor ao modelo de aula tradicional, onde o professor basicamente reproduz o livro didático (ou outro material de referência) na aula. Isso acaba limitando o poder da aula e ambos, alunos e professores, ficam acomodados com essa dinâmica ineficiente.


Ao invés de seguir esse modelo tradicional de aula, o autor propõe uma nova dinâmica (Mazur, 1997), onde:


  1. O professor indica materiais para leitura prévia a aula (como na sala de aula invertida);

  2. Durante a aula, ao invés de expor o assunto do jeito que o material apresenta, o professor faz um teste com algumas perguntas sobre o tema, utilizando a seguinte dinâmica:

    1. Professor faz a pergunta (1 minuto)

    2. Alunos pensam na resposta (1 minuto)

    3. Alunos registram as respostas individuais (opcional, porém desejável)

    4. Alunos convencem seu vizinho sobre sua resposta (1-2 minutos)

    5. Alunos registram as respostas ajustadas individualmente (opcional, porém desejável)

    6. Professor apresenta a visão final das respostas

    7. Professor explica a resposta correta (até 10 minutos)


Cada teste pode levar até 15 minutos, a depender da turma e do tema e o professor pode decidir fazer uma aula só com testes sequenciais ou fazer um ou poucos testes, reservando uma maior parte da aula para explicação mais detalhada de conceitos. A escolha entre um modelo ou o outro deve ser feita pelo professor considerando o tema da aula bem como o nível dos alunos. Porém, estudos indicam que aplicar 3-4 testes numa aula de 50 minutos pode ser beneficial para o nível de entendimento e habilidade de sintetizar e integrar material (Rao & Dicarlo, 2000).


Essa proposta traz uma dinamicidade ao ensino e envolve os alunos em atividades mais engajadoras do que assistir passivamente a aula. Porém, para conseguir aproveitar essa técnica da maneira mais eficiente, é importante tomar alguns cuidados:

  1. As perguntas precisam desafiar os alunos e avaliar uma compreensão mais profunda do conteúdo (Knight & Brame, 2018);

  2. Para evitar o efeito manada (onde os alunos mudam suas respostas para as mais recorrentes), se possível, as primeiras respostas individuais não devem ser demonstradas para a turma. Ela deve servir somente de referência para o professor;

  3. Se o resultado final for que a uma boa parte da turma ainda continua escolhendo a resposta errada, o professor pode intervir e explicar melhor o assunto antes de ir para a próxima pergunta (Mazur, 2014). Isso é essencial para evitar a criação de lacunas de conhecimento na turma.


Essa técnica demonstrou ser eficiente na habilidade de resolução de problemas novos (Cortright et al., 2005; Giuliodori et al., 2006) além de melhorar a capacidade de argumentação e o domínio de conceitos (Crouch & Mazur, 2001; Fagen et al., 2002; Porter et al. 2011; Vickrey et al, 2015; Tullis & Goldstone, 2020), tanto para estudantes com mais conhecimento prévio do que aqueles com menos (Lasry et al., 2008). Em geral, ela é mais eficiente especialmente em disciplinas que exigem raciocínio conceitual, como ciências exatas.


Princípios e Fundamentação Teórica


A aprendizagem entre pares se apoia em três pilares teóricos principais:

  1. Interação social: Segundo a abordagem socioconstrutivista de Vygotsky, a aprendizagem é potencializada quando os alunos discutem ideias, explicam conceitos e resolvem problemas juntos. A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) reforça que os estudantes podem alcançar níveis mais altos de compreensão com a ajuda de colegas. A interação entre pares facilita a construção do conhecimento, já que os alunos explicam, questionam e refinam seu pensamento coletivamente (Woolfolk & Usher, 2024);

  2. Carga cognitiva: a divisão da aprendizagem em etapas (leitura prévia, teste, discussão entre pares e exposição do professor) permite que os alunos assimilem conceitos complexos de maneira mais gradual, reduzindo ou evitando a sobrecarga cognitiva. Além disso, ao defender seu argumento e explicar conceito para outro aluno, é possível reorganizar o próprio pensamento e fortalecer a memória a longo prazo (Edwards et al., 2021);

  3. Assimilação e acomodação de conteúdos: a aprendizagem entre pares promove conflitos cognitivos quando os alunos confrontam ideias diferentes durante as discussões, levando à reestruturação mental dos conceitos, levando à assimilação e acomodação de conteúdos, como estipulados por Piaget (Woolfolk & Usher, 2024).



Benefícios com a utilização da aprendizagem entre pares


Os benefícios da aprendizagem entre pares são:

  • Desenvolvimento da argumentação: como precisam defender sua resposta, os alunos exercitam a capacidade de argumentação e convencimento. Para os casos onde o aluno mude de resposta, isso também exerce a capacidade de análise de argumentos e a capacidade do aluno mudar de ideia, desde que seja convencido, que é essencial numa sociedade tão polarizada como a nossa (Tullis & Goldstone, 2020);

  • Desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas: se as perguntas forem desenhadas de modo a fornecer situações-problema que os alunos precisam resolver, isso irá incentivar a capacidade de resolução de problemas neles;

  • Feedback imediato e constante: o modelo das aulas dessa técnica fornece um feedback imediato aos estudantes e de maneira constante, já que pode ser aplicada em todas as aulas;

  • Maior interação entre alunos: a técnica permite que os alunos se aproximem mais, o que pode levar a outras estratégias de aprendizagem entre pares, como o estudo em grupo e workshops estudantis, numa estratégia mais ampla de aprendizagem entre pares e que extrapola a sala de aula, chamada de peer learning (Chun & Cennamo, 2020).


Desafios na utilização da aprendizagem entre pares


Apesar dos benefícios, a implementação da aprendizagem entre pares enfrenta algumas dificuldades, como:

  • Tempo de preparação: preparar aulas que apliquem a aprendizagem entre pares demanda mais tempo e esforço que as aulas tradicionais;

  • Resistência à mudança: professores e alunos ainda estão acostumados ao modelo tradicional e podem estranhar a abordagem diferenciada da aprendizagem entre pares;

  • Pouca participação na leitura pré-aula: alguns alunos podem ter dificuldade em fazer a leitura pré-aula. Uma forma de mitigar isso é tentar fazer materiais mais dinâmicos (como vídeos) e atribuir testes pré-aula com peso na nota final;

  • Pouca participação dos alunos: alguns alunos podem participar pouco da dinâmica, seja por timidez ou porque não leu o conteúdo. Uma forma de mitigar isso é atribuir peso na nota final da matéria em relação à participação nessas dinâmicas.



Como aplicar a aprendizagem entre pares na sala de aula?


Algumas dicas podem ajudar na implementação dessa técnica:

  1. Escolha do tema:

    1. Essa técnica pode ser aplicada em virtualmente qualquer aula em diferentes níveis de ensino

  2. Preparação da aula - o material de apoio:

    1. A aula onde será a aplicada a técnica precisa ter um material de apoio onde o aluno poderá estudar os conceitos essenciais antes da aula

    2. O material de apoio não precisa ser diferenciado, basta um texto didático comum explicando o tema

  3. Preparação da aula - definindo as perguntas:

    1. Para definir as perguntas, é importante definir os pontos-chave do tema

    2. Definidos os pontos-chave, podemos partir para as perguntas. O ideal é evitar perguntas de memorização (como definição de conceitos) e utilizar modelos mais desafiadores.

    3. As perguntas precisam

      1. Focar em um único ponto-chave - se ela avaliar mais de um, o feedback para os alunos será mais complexo

      2. Ter distratores (respostas incorretas) plausíveis - o ideal é que eles reflitam pensamentos errados ou erros mais comuns

      3. Não ter ambiguidades na escrita

      4. Não ser nem fácil demais nem difícil demais

    4. As questões podem se basear em diferentes níveis de aprendizagem (taxonomia de Bloom), desde que sejam desafiadoras o suficiente. Uma boa ideia é buscar questões que trabalham erros mais comuns no tema (Knight & Brame, 2018)

    5. Uma boa fonte de ideias para perguntas é o próprio livro didático, que costuma ter uma lista de questões ao final dos capítulos

  4. Hora da aula!

    1. Para garantir que os alunos realmente leram os textos pré-aula, o professor pode fazer um quiz com algumas perguntas mais simples, como as de conceitos. Nesse caso, a lógica é mais simples. O professor pergunta, a turma responde e registra a resposta e ele explica

    2. Uma outra estratégia é ter um quiz antes da aula, onde o professor tanto avalia pontos importantes do conceito quanto deixa uma pergunta aberta para que o aluno possa deixar suas principais dúvidas ou, caso não tenha, o que achou de mais interessante no assunto. Isso ajuda o professor dando uma indicação de pontos que precisa abordar na aula (Crouch & Mazur, 2001), uma técnica chamada "Just-in-time teaching" (ou "Ensino sob medida", em português)

  5. Durante a resposta dos alunos:

    1. Nesse momento, é importante manter os debates das duplas num volume que não atrapalhe as demais duplas

    2. O professor pode aproveitar pra transitar entre as duplas para poder ouvir um pouco do que elas falam, possivelmente já identificando alguns erros de argumentação e pensamento

    3. Para o registro da resposta dos alunos, o professor pode usar um esquema de placas com as letras, levantar das mãos ou a utilização de plataformas interativas (como o Kahoot!)

  6. Exposição do conteúdo pós-teste

    1. Ao final da dinâmica, o professor deve fazer uma exposição sobre a pergunta, a resposta correta, eventuais distratores e outros assuntos que surjam no caminho

    2. Esse é um momento onde o professor deve avaliar como a turma performou e adaptar a exposição para o caso específico da turma. Se a maioria tiver errado, é preciso expandir a explicação do conteúdo, como já falamos.



Referências:

  • Chun & Cennamo, 2020. A Theoretical Model of Peer Learning Incorporating Scaffolding Strategies. International Journal of Teaching and Learning in Higher Education, 33(3), pp. 385-397.

  • Cortright et al., 2005. Peer instruction enhanced meaningful learning: ability to solve novel problems. Adv Physiol Educ, 29, pp. 107–111.

  • Crouch & Mazur, 2001. Peer Instruction: Ten years of experience and results. Am. J. Phys., 69(9), pp. 970-977.

  • Edwards et al., 2021. Reducing Cognitive Load in Emerging Digital Learning Environments Through

    Peer Instruction. In: Emerging Technologies for Next Generation Learning Spaces. Springer: Singapore.

  • Fagen et al., 2002. Peer Instruction: Results from a Range of Classrooms. The Physics Teacher , 40, pp. 206-209.

  • Giuliodori et al., 2006. Peer instruction enhanced student performance on qualitative problem-solving questions. Adv Physiol Educ, 30, pp. 168–173.

  • Knight & Brame, 2018. Peer Instruction. CBE—Life Sciences Education, 17(5), pp. 1–4.

  • Lasry et al., 2008. Peer instruction: From Harvard to the two-year college. Am. J. Phys., 76(11), pp. 1066-1069.

  • Mazur, 1997. Peer instruction: Getting students to think in class. AIP Conf. Proc. 399, pp. 981–988.

  • Mazur, 2014. Peer Instruction: A User's Manual. Pearson: Harlow.

  • Porter et al. 2011. Peer Instruction: Do Students Really Learn from Peer Discussion in Computing? ICER '11: Proceedings of the seventh international workshop on Computing education research, pp. 45 - 52.

  • Rao & Dicarlo, 2000. Peer Instruction Improves Perfomance on Quizzes. Advances in Physiology Education, 24 (1).

  • Tullis & Goldstone, 2020. Why does peer instruction benefit student learning? Cognitive Research: Principles and Implications, 5 (15).

  • Vickrey et al, 2015. Research-Based Implementation of Peer Instruction: A Literature Review. CBE—Life Sciences Education, 11, pp. 1-11.

  • Woolfolk & Usher, 2024. Educational Psychology: Active Learning Edition. 15ª edição, Pearson: Hoboken.

Comments


@2025 by Casulo Educação

bottom of page