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Estilos de aprendizagem: o grande mito da educação

Updated: Apr 9

Resumo: Apesar da popularidade da teoria dos estilos de aprendizagem (como visual, auditivo ou cinestésico), evidências científicas mostram que ela não tem base sólida e pode até prejudicar o ensino, limitando alunos e desperdiçando recursos. Este texto explica por que essa ideia persiste, revela seus impactos negativos e propõe alternativas eficazes, como aprendizagem multissensorial, prática distribuída e metodologias ativas, todas respaldadas pela ciência cognitiva, para um ensino verdadeiramente inclusivo e de qualidade.


A girl in glasses writes in a notebook at a classroom desk. Icons of headphones, an eye, and a hand are visible, suggesting focus.

Se você pesquisar por "estilos de aprendizagem" no google, encontrará uma grande quantidade de conteúdos explicando essas teorias (e muitos lugares vendendo soluções para aplicá-las na sala de aula). A ideia de que cada pessoa aprende melhor de uma maneira específica – seja visual, auditiva ou cinestésica (através do contato físico) – é amplamente difundida no meio educacional, sendo encontrada em todos os níveis, do ensino infantil à pós-graduação.


Se aproveitando disso, há uma indústria próspera voltada para a publicação de testes de estilos de aprendizagem e guias para professores, além de muitas organizações que promovem workshops de desenvolvimento profissional para educadores fundamentados nesse conceito. Além disso, os professores são frequentemente incentivados a adaptar suas aulas a esses supostos "estilos de aprendizagem" para melhorar o desempenho dos alunos.


Mas será que essa teoria tem base científica? Ela é comprovada por dados de pesquisa? Ou será um mito persistente que, apesar das boas intenções, pode estar desviando a atenção de estratégias realmente eficazes?


Neste texto, vamos:

  1. Explicar o que são os estilos de aprendizagem e como eles se popularizaram.

  2. Analisar as evidências científicas (ou a falta delas) que sustentam essa teoria.

  3. Avaliar os impactos negativos da adoção dessa teoria na prática pedagógica.

  4. Apresentar alternativas baseadas comprovadas para um ensino mais eficiente.



O Que São os Estilos de Aprendizagem?


A teoria dos estilos de aprendizagem sugere que os alunos processam informações sensoriais (em especial a visão, audição e tato) de maneiras diferentes e que seu desempenho escolar melhora quando o ensino é adaptado ao seu "estilo preferido" . A aplicação dessa teoria envolve identificar os estilos de aprendizagem dos alunos e, em seguida, orientar o seu ensino de modo a enfatizar os modos preferenciais deles.


Para avaliar os estilos de aprendizagem dos estudantes, os testes geralmente pedem que eles indiquem qual tipo de apresentação da informação preferem (por exemplo, palavra versus imagem) e/ou qual tipo de atividade mental consideram mais envolvente ou agradável (como análise versus escuta).


Há uma grande diversidade de modelos de estilos de aprendizagem (Coffield et al., 2004), porém vale citar o modelo de classificação mais utilizado por eles, que é o modelo VARK (Visual, Auditivo, Leitura e Cinestésico). Esse modelo classifica os alunos conforme suas preferências em aprender por imagens, sons, leitura de textos ou colocando a "mão na massa" - algumas vezes tendo um contato físico propriamente dito (Fleming & Baume, 2006). O teste para esse modelo pode ser feito nesse site.



Visual chart of learning styles: Visual, Aural, Read, Kinesthetic, each with icons and text in Portuguese about preferences and methods.

A hipótese mais comum — mas não a única — sobre a relevância instrucional dos estilos de aprendizagem é a "hipótese de correspondência", que sugere que o ensino é mais eficaz quando oferecido em um formato que coincide com as preferências do aprendiz - por exemplo, para um "aprendiz visual", enfatizando apresentações visuais da informação (Pashler et al., 2009).





O que dizem as evidências


Apesar de ser uma ideia bem atraente, já que oferecem uma explicação simplificada para as diferenças individuais na aprendizagem, essas teorias carecem de evidências que a suportam.


O primeiro ponto a tratar aqui é sobre as preferências de forma de apresentação da informação. Se você perguntar aos seus alunos (ou a qualquer outra pessoa, diga-se de passagem), praticamente todos irão indicar uma preferência por um modo de apresentação da informação (visual, auditivo, leitura etc). Ou seja, as pessoas realmente têm preferência por um modo em detrimento de outros (Pashler et al., 2009).


O problema ocorre quando vamos transpor essa preferência pessoal para uma melhoria do processo de aprendizagem quando a pessoa é exposta ao seu estilo de preferência. Ou, do contrário, uma redução da aprendizagem ao estudar usando um modo que não está de acordo ao seu gosto pessoal.


Ao observar se isso ocorre, os estudos indicam que os estilos de aprendizagem não tem nenhum efeito na aprendizagem. Ou seja, a preferência pessoal do aprendiz não parece ter nenhuma relação com o processo de aprendizagem.


Em resumo, embora os alunos possam ter preferências por um modo de consumo de informação, isso não significa que aprenderão mais se o ensino for rigidamente ajustado a eles.

E isso é corroborado por uma vasta literatura. Por exemplo:


ESTUDO

DESCRIÇÃO

Pashler et al., 2009

Os autores fizeram uma revisão detalhada da literatura em estilos de aprendizagem e observaram que (1) a grande maioria dos estudos não buscou testar essa teoria e (2) os que buscaram a testar, não foram conclusivos. Ou seja, não há evidências que suportem as afirmações da teoria dos estilos de aprendizagem.

Coffield et al., 2004

Revisou diversos modelos de estilos de aprendizagem e encontrou pouca ou nenhuma evidência deles. Nem mesmos os autores que propuseram os modelos apresentaram evidências a favor deles.

Husmann & O'Loughlin, 2019

Observou o impacto da utilização do modelo VARK em estudantes da disciplina de Anatomia no ensino superior e não encontrou nenhuma relação do VARK com o desempenho deles. Outro fatores, como o uso do microscópio, demonstraram serem bem mais importantes.

Massa & Mayer, 2006

Avaliou o modelo ATI (visualizador-verbalizador) em alunos de ensino superior e não encontrou nenhuma relação entre o estilo de aprendizagem e a performance acadêmica dos alunos.

Rogowsky & Calhoun, 2015

As autoras criaram um experimento como proposto por Pashler et al. (2009) e não encontraram nenhum efeito dos estilos de aprendizagem na compreensão de conteúdos.

Até mesmo os estudos que indicam uma relação positiva entre a adoção dos estilos de aprendizagem e a performance dos estudantes (Dunn et al, 2002) apresentam falhas na sua condução, sendo que os resultados não podem ser diretamente relacionados com os estilos de aprendizagem, mas são resultados de diversos fatores, como o tamanho das salas, o multimodalismo, entre outros.



Mas se não são confirmadas, por que as teorias dos estilos de aprendizagem fazem tanto sucesso?


Apesar da falta de evidências robustas, as teorias dos estilos de aprendizagem continuam sendo amplamente difundidas em escolas, cursos de formação de professores e materiais pedagógicos. Algumas pesquisas indicam que 80% dos profissionais de educação entrevistados acreditam que os estilos de aprendizagem são um fato comprovado e afetam a aprendizagem dos alunos (Snider & Roehl, 2007).


Mas como uma ideia sem comprovação científica se tornou tão influente na educação?


Alguns pontos explicam isso, como:

  1. O status de "confiável" dessas teorias

    1. Muitos professores são expostos a essas teorias desde sua formação acadêmica. E elas sempre são apresentadas de maneira tão confiáveis que é quase impossível compreender que elas são fracas e inconclusivas.

    2. Professores formados nessa ideia têm dificuldade em abandoná-la, especialmente se acreditam que "funciona na prática".

  2. O desejo por explicações simples e a má interpretação de conceitos válidos

    1. As teorias de estilo de aprendizagem são muito claras e intuitivas, o que torna fácil de comunicar e aplicar. Professores, muitas vezes sobrecarregados, buscam ferramentas práticas para ajudar com a diversidade de alunos em sala de aula e essas teorias se encaixam facilmente.

    2. Se baseiam numa ideia amplamente aceita (de que cada pessoa é diferente) e deturpam o conceito para inserir uma ideia sem comprovação - a de que os estilos de aprendizagem são importantes para a aprendizagem e os alunos se saem melhor se forem expostos aos seus estilos de preferência (Riener & Willingham, 2010).

    3. Muitas vezes, o professor adapta a aula de modo a fornecer o conteúdo de diversas formas (ex.: uma explicação oral + um diagrama + uma atividade prática) e atribui isso aos "estilos de aprendizagem", mas é só um impacto do multimodalismo (abordar o mesmo conceito de modos diferentes).

  3. Efeito placebo

    1. Se um aluno ouve que é "um aprendiz visual", pode se identificar com a ideia e até sentir maior confiança ao usar recursos visuais – o que melhora seu desempenho, mas não por causa de um "estilo inato", e sim por motivação e autoeficácia.

  4. Interesse comercial da indústria da educação

    1. Há uma demanda comercial grande para ensinar a lidar com os estilos, como na formação de professores (como lidar com os estilos), nos materiais didáticos diferenciados (como os que tem "planos de aula para aprendizes cinestésicos") ou os testes para identificar os estilos dos alunos.

    2. Esses modismos educacionais geram um consumo de conteúdos da teoria que está na moda. Esse movimento é cíclico e sempre tem uma teoria "da moda" que gera receita para essas empresas, mesmo que não sejam comprovadas.


Assim, é essencial que o debate sobre o abandono dessas teorias seja intensificado. A educação de qualidade não deve se basear em mitos, mas em evidências e práticas eficazes. Ao abandonarmos ideias não comprovadas e adotarmos abordagens cientificamente validadas, podemos criar salas de aula mais inclusivas e eficientes para todos os alunos.



Os impactos negativos por trás dos estilos de aprendizagem


A adoção das teorias dos estilos de aprendizagem como verdadeiras, e sua aplicação prática em sala de aula, apresentam algumas consequências negativas, muitas vezes subestimadas. Embora a intenção por trás dessa abordagem seja positiva – personalizar o ensino para atender às diferenças individuais –, sua implementação prática pode, paradoxalmente, prejudicar tanto alunos quanto professores.


Alguns desses impactos são:


1. Limitação do potencial dos alunos


Quando um aluno é classificado como "visual", "auditivo" ou "cinestésico", corre o risco de ser encaminhado apenas para atividades que supostamente se adequam ao seu "estilo", negligenciando outras formas de aprendizado. Isso pode reforçar estereótipos e criar uma mentalidade fixa ("eu só aprendo assim"), limitando a flexibilidade cognitiva.


Além disso, elas levam a um subdesenvolvimento de habilidades. Por exemplo, um aluno rotulado com o estilo "auditivo" pode evitar atividades visuais ou práticas, perdendo oportunidades de desenvolver habilidades importantes (como interpretação de gráficos ou coordenação motora).


2. Desperdício de tempo e recursos pedagógicos


Professores podem gastar tempo excessivo criando materiais específicos para cada "estilo", em vez de focar em estratégias comprovadamente eficazes. Além disso, as escolas podem investir também muito dinheiro para adotar essas teorias (como os testes de estilos e os softwares para ensino por estilos).


3. Negligência de métodos baseados em evidências


Enquanto professores se preocupam em "ensinar para cada estilo", deixam de lado técnicas comprovadas pela ciência cognitiva. E isso pode incentivar que eles adotem outras técnicas que carecem de comprovação da sua validade, podendo comprometer ainda mais a qualidade da educação.


4. Impacto na inclusão e equidade


Alunos com dificuldades reais (como dislexia ou TDAH) podem ser mal diagnosticados como "cinestésicos" ou "visuais", atrasando intervenções pedagógicas adequadas. As crianças de contextos vulneráveis, que já têm menos acesso a recursos diversificados, também podem sofrer, sendo ainda mais limitadas por um ensino que não explora todas as suas potencialidades.


Além disso, ao invés de promover inclusão, a segmentação por estilos pode criar bolhas:

  • Alunos "auditivos" ficam restritos a aulas expositivas.

  • Alunos "cinestésicos" são sempre direcionados a atividades manuais, perdendo desenvolvimento em leitura e escrita.


5. Professores frustrados e sobrecarregados


Professores que tentam "agradar a todos os estilos" podem se sentir culpados ou incompetentes quando os resultados não aparecem. Além disso, a pressão para "personalizar o ensino" sem base científica aumenta o estresse docente, contribuindo para o desgaste profissional.


Agora reflita: Vale a pena continuar investindo em uma teoria sem comprovação, ou é hora de focar no que realmente funciona? A escolha é nossa.


Quais estratégias podem substituir os estilos de aprendizagem?


Se os estilos de aprendizagem não são a chave para o sucesso, o que realmente funciona?


Como os estilos de aprendizagem não são comprovadamente eficientes, cabe aos professores se voltarem para técnicas que sejam verdadeiramente eficientes. Os professores podem favorecer estratégias que são mais confiáveis, como:


1. Aprendizagem multissensorial (multimodalidade)


O cérebro aprende melhor quando a informação é processada por múltiplos sentidos simultaneamente, e não de forma isolada. Ou seja, apresentar o mesmo conceito de maneiras diferentes irá facilitar e aumentar a compreensão e retenção de conteúdo.


Como aplicar?

  • Combine texto, imagens e fala em uma mesma explicação (ex.: explicar um conceito enquanto mostra um gráfico e pede que os alunos anotem).

  • Use gestos e movimentos para reforçar conceitos (ex.: representar frações com palmas ou passos).

  • Incorpore recursos táteis em aulas teóricas (ex.: usar blocos para ensinar matemática, mesmo para alunos que não são "cinestésicos").


2. Adotar estratégias comprovadas pela psicologia cognitiva


Existem algumas técnicas comprovadas pela psicologia cognitiva e que ajudam os alunos a assimilarem mais o conteúdo. Duas práticas muito simples e comumente utilizadas são a prática distribuída (revisar em intervalos crescentes) e a recuperação ativa (tentar lembrar sem consultar o material).


Como aplicar?

  • Revisões programadas: Retome conteúdos antigos em intervalos (ex.: 1 dia, 1 semana, 1 mês depois). Ou também pode utilizar minitestes frequentes, como quizzes rápidos e sem nota para reforçar a memória.

  • Resumos sem consulta: Peça aos alunos que escrevam o que lembraram da última aula antes de começar a nova.


3. Adotar metodologias ativas de ensino


As metodologias ativas, aquelas que colocam o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem (como a Aprendizagem Baseada em Projetos - ABP, os estudos de caso e sala de aula invertida) promovem maior retenção do que aulas expositivas tradicionais, pois elas envolvem ativamente os alunos.


Como aplicar?

  • Projetos interdisciplinares: Criar uma feira de ciências com temas que integrem biologia, matemática e artes.

  • Estudos de caso: Analisar problemas reais (ex.: debater soluções para poluição na comunidade).

  • Sala de aula invertida: Alunos estudam o conteúdo em casa e usam a aula para debates e atividades práticas.


4. Fornecer feedback contínuo


Outra estratégia para ajudar no processo de ensino-aprendizagem é dar feedback contínuo aos estudantes, permitindo que eles compreendam onde estão nesse processo e o que poderão fazer para melhorar seu resultado.


Isso se baseia na utilização de avaliações formativas para acessar como os alunos estão aprendendo e permitir direcionar os professores para ajustarem a prática conforme as dificuldades reais dos alunos (não baseado em estilos pré-definidos).



Referências:

  • American Psychological Association (APA), 2019. Belief in Learning Styles Myth May Be Detrimental. Disponível em: <https://www.apa.org/news/press/releases/2019/05/learning-styles-myth>. Acesso em 30/03/2025.

  • Coffield et al., 2004. Should we be using learning styles? What research has to say to practice. Learning and Skills Research Centre: Trowbridge.

  • Dunn et al, 2002. Survey of research on learning styles. Califonia Journal of Science Education, 2(2), 75-98.

  • Fleming & Baume, 2006. Learning Styles Again: VARKing up the right tree! Educational Developments, SEDA Ltd, 7(4), pp. 4-7.

  • Furey, W. (2020). THE STUBBORN MYTH OF LEARNING STYLES. Education Next, 20(3), 8-13. Disponível em: <https://www.educationnext.org/stubborn-myth-learning-styles-state-teacher-license-prep-materials-debunked-theory/>. Acesso em 07/04/2025

  • Husmann & O'Loughlin, 2019. Another nail in the coffin for learning styles? Disparities among undergraduate anatomy students’ study strategies, class performance, and reported VARK learning styles. Anatomical sciences education, 12(1), pp. 6-19.

  • Massa & Mayer, 2006. Testing the ATI hypothesis: Should multimedia instruction accommodate verbalizer-visualizer cognitive style? Learning and Individual Differences, 16(4), pp. 321-335.

  • Pashler et al., 2009. Learning Styles: Concepts and Evidence. Psychological Science in the Public Interest, Vol. 9 (3).

  • Riener & Willingham, 2010. The myth of learning styles. Change: The magazine of higher learning, 42(5), pp. 32-35.

  • Rogowsky & Calhoun, 2015. Matching learning style to instructional method: Effects on comprehension. Journal of educational psychology, 107(1), pp. 64-78.

  • Snider & Roehl, 2007. Teachers’ beliefs about pedagogy and related issues. Psychology in the Schools, 44, pp. 873–886.

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