Gamificação: o que é e como utilizar em sala de aula?
- Jeferson Costa
- Apr 10
- 10 min read
Updated: Apr 14
Resumo: A gamificação na educação utiliza elementos de jogos – como objetivos, regras, feedback e narrativas – para aumentar o engajamento e a motivação dos alunos, transformando a aprendizagem em uma experiência mais interativa e significativa. Nesse artigo exploramos os princípios da gamificação, seus benefícios (como maior participação e retenção de conteúdo) e desafios (como a necessidade de planejamento adequado), além de oferecer estratégias práticas para aplicá-la em sala de aula, seja com recursos tecnológicos (como plataformas digitais) ou analógicos (como jogos de tabuleiro adaptados). Com exemplos concretos e embasamento teórico, o texto guia educadores na implementação dessa abordagem, equilibrando diversão e aprendizagem eficaz.

A gamificação é um termo que tem ganhado muita notoriedade nas últimas décadas, principalmente por seu potencial em aumentar o engajamento e motivação dos usuários. Mas, o que é a gamificação e como podemos utilizá-la na sala de aula?
Nesse artigo, vamos:
Explicar o que é a gamificação e quais são seus princípios
Entender quais são os benefícios e desafios com a gamificação
Listar maneiras de aplicar a gamificação na sala de aula
O que é a gamificação?
A estratégia de gamificação na educação é uma forma de metodologia ativa que tem crescido muito nos
últimos anos. O termo "gamificação" surgiu relativamente recente na história da educação, com seus primeiros usos documentados a partir de 2008, mas ele só começou a ganhar terreno a partir de 2010 (Deterding, et al., 2011). Resumidamente, podemos defini-la como:
[Gamificação é] a utilização de elementos semelhantes aos de jogos em contextos não relacionados a jogos, com o objetivo de criar experiências lúdicas (Deterding, et al., 2011).
Ou seja, é a aplicação de elementos de jogos em contextos fora dos jogos, como na educação ou no trabalho. Porém, para explicar melhor o que ela é e o seu grande sucesso, vale a pena explicar o que é um "jogo", que é o conceito principal do qual a gamificação deriva.
O que é um "jogo"?
Os jogos são manifestações que encontramos em todas as culturas humanas e até em alguns animais, como filhotinhos que brincam de correr um atrás do outro. Para poder incluir todas essas categorias, humanas ou não, podemos definir um jogo como:
"O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da 'vida cotidiana' (Huizinga, 2019).”
Ou seja, os jogos são uma ferramenta para explorar uma realidade fora do nosso dia-a-dia, criando um "círculo mágico" que cria uma narrativa que leva à imersão do jogador. Por exemplo: no "mundo real", chutar uma bola contra uma rede é uma ação sem sentido, enquanto dentro do círculo mágico do jogo, ela se torna um objetivo do jogador e leva à diversão.

E esses jogos podem vir de diferentes formas, desde jogos rápidos para passar o tempo, até jogos que podem levar dias para serem finalizados, passando por diversos gêneros e plataformas. Porém, podemos identificar algumas características que são comuns em todos os jogos - digitais ou não (McGonigal, 2011), que são:
Objetivos: os objetivos são os resultados específicos que os jogadores devem alcançar. Eles focam a atenção do jogador e continuamente orienta a participação deles no jogo, dando um senso de propósito. Ex. o objetivo no futebol é passar a bola pela linha do gol mais vezes do que o time oponente.
Regras: elas estabelecem limites com os quais os jogadores precisam trabalhar o objetivo. Ao retirar ou limitar as formas mais fáceis de alcançar o objetivo, as regras pressionam os jogadores a explorarem possibilidades novas, incentivando a criatividade e o pensamento estratégico. Ex. no futebol, nenhum jogador pode pegar a bola com as mãos, segurar e atravessar o campo até fazer o gol.
Sistema de feedbacks: indicam aos jogadores quão próximos estão de alcançar o objetivo. Ele pode ser feito de várias maneiras, como placar, pontos, níveis, barra de progresso etc. O feedback em tempo real funciona como uma promessa aos jogadores de que o objetivo é definitivamente alcançável e fornece motivação para continuar jogando.
Participação voluntária: requer que todos os participantes voluntariamente aceitam os objetivos, regras e feedbacks, bem como conhecem todos eles. Ela estabelece um terreno comum para múltiplas pessoas jogarem juntas. Além disso, a liberdade de entrar e sair do jogo garante que os jogadores intencionalmente aceitam o estresse e o desafio do jogo, garantindo uma experiência segura e prazerosa.
Essas características simples são encontradas em todos os jogos e trabalham em sintonia com as características específicas de cada jogo. Por exemplo, uma forte narrativa, como nos casos de RPG, tende a tornar os objetivos mais desejáveis.
Como funciona a gamificação na educação - Game Based-Learning (GBL)?
Agora que entendemos o que é jogo e como eles funcionam, podemos falar sobre a gamificação para fins educacionais. Podemos defini-la como:
"Gamificação na educação é o uso de mecânicas inspiradas em jogos para aumentar o engajamento e a motivação dos alunos, além de otimizar processos de aprendizagem (Kapp, 2012)."
Essa gamificação cria o que podemos chamar de "jogos educacionais" (Game Based-Learning - GBL). A história desses jogos curiosamente é muito anterior à criação do termo "gamificação". Já na década de 80, os chamados "edutainment" (um jogo de palavras com entretenimento e educação, em inglês), jogos comuns que também tinham algum objetivo educacional secundário, foram popularizados.
O jogo mais famoso desse tipo foi o "Onde no mundo está Carmen Sandiego?", que era um jogo no estilo "polícia e ladrão", no qual o jogador precisava perseguir uma fugitiva (a Carmen Sandiego) e seus comparsas ao redor do mundo, ensinando geografia enquanto os jogadores se divertiam (Neto, 2015).

A gamificação em educação pode envolver o uso de diversos elementos que podem ser agrupados em 5 dimensões (Toda et al., 2019), que são:
Performance: estão relacionados à resposta do ambiente, que podem ser usados para fornecer feedback ao aprendiz. Nesta dimensão, temos: pontos, progressão, níveis, estatísticas e reconhecimento. A falta dessa dimensão pode deixar o estudante desorientado, pois suas ações não recebem nenhum tipo de retorno;
Ecológica: refere-se ao ambiente em que a gamificação está sendo implementada. Esses elementos podem ser representados como propriedades. Os componentes dessa dimensão incluem: sorte, escolha Imposta, economia, raridade e pressão do Tempo. A ausência de elementos ecológicos deixa o ambiente sem vida, pois faltam mecanismos que gerem interações com o usuário;
Social: refere-se às interações entre os aprendizes no ambiente educacional. Os elementos dessa dimensão incluem: competição, cooperação, reputação e pressão Social. A ausência de elementos sociais pode isolar os alunos, já que eles não terão oportunidades de interagir com seus colegas;
Pessoal: relaciona-se ao aprendiz que utiliza o ambiente. Os elementos presentes nessa dimensão são: sensação, objetivo, desafio, novidade e renovação. A ausência de elementos pessoais pode desmotivar o usuário, uma vez que o sistema não oferece significado para o estudante;
Ficcional: dimensão mista, que conecta o usuário (através da narrativa) e o ambiente (por meio do storytelling), vinculando sua experiência ao contexto. A ausência de elementos ficcionais resulta na perda de significado e de contexto – ou seja, do 'porquê' – dentro do ambiente imersivo. Isso faz com que o usuário não compreenda a razão de realizar determinadas tarefas, além de impactar diretamente na qualidade de sua experiência.

Percebemos, então, que há uma grande quantidade de elementos de jogos que podem ser utilizados para gamificar as interações educacionais. A escolha de quais utilizar deve ser feita considerando o tipo de jogo, os objetivos educacionais, o nível dos alunos, o tipo de conteúdo, entre outros fatores.
Benefícios com a utilização da gamificação na sala de aula
Há diversos estudos que confirmam que a gamificação melhora o processo de ensino-aprendizagem (Bai et al., 2020 e Rodrigues et al. ,2020), principalmente devido ao alto envolvimento e motivação dos alunos ao se envolverem em atividades gamificadas.
Essa motivação é campo de estudo das chamadas "teorias motivacionais", que tentam explicar e prever a motivação de indivíduos e grupos em diferentes contextos. No caso da gamificação na educação, as teorias que se aplicam são (Toda et al. 2023):
TEORIA | DESCRIÇÃO |
Auto-determinação | Estabelece que há três necessidades psicológicas básicas relacionadas com a motivação: (1) autonomia, que é a necessidade de sentir que tem escolhas; (2) competência, que é a necessidade de sentir eficaz e capaz e (3) relacionamento, que é a necessidade de conexão com outros. Uma atividade gamificada bem feita é capaz de atender essas necessidades. |
Flow | Explica a imersão e engajamento dos alunos como um resultado de um equilíbrio entre a dificuldade do jogo e o conhecimento do jogador, resultando num desafio que instiga os jogadores. |
Carga cognitiva | Propõe que as atividades que realizamos demandam um trabalho do nosso cérebro (que é a carga cognitiva) de maneira similar à uma memória de computador. Essa carga pode ser de três tipos: (1) carga intrínseca, que é relativa ao nível de complexidade da tarefa (portanto não pode ser alterada) - Ex. resolver uma equação diferencial; (2) carga estranha, que resulta da forma como a informação é apresentada - Ex. um jogo com instruções confusas tem alta carga estranha e (3) carga pertinente, que é o esforço feito para ativamente construir conhecimento. O objetivo da gamificação deve ser o de diminuir a carta estranha e maximizar a pertinente. |
Fixação de objetivos | Estabelece que definir metas específicas e desafiadoras aumenta o desempenho e a motivação. Assim, as metas do jogo precisam ser claras, objetivas e no nível adequado de exigência para poder gerar o engajamento desejado. |
Aprendizagem gamificada | Reúne elementos das demais teorias e propõe uma explicação mais ampla dos efeitos da gamificação em contextos educacionais. Ela considera 4 fatores: (1) conteúdo educacional; (2) elementos de jogos; (3) comportamento e/ou atitude dos alunos e (4) resultado da aprendizagem. |
Desafios na utilização da gamificação na sala de aula
Apesar dos benefícios, a gamificação também apresenta desafios que educadores devem considerar ao adotar essa prática (Toda et al., 2023). Alguns deles são:
A gamificação é altamente dependente do contexto: a eficiência da aplicação de estratégias de gamificação depende fortemente do contexto da sala de aula. Isso vale especialmente para a adoção de técnicas de gamificação utilizadas em outros países. Nem sempre uma técnica que funcionou em uma sala de um país irá funcionar no outro;
Gamificar exige treinamento e tempo de preparo: infelizmente ainda há pouco treinamento sobre as estratégias de gamificação em sala de aula e os professores não se sentem seguros em aplicá-la. Isso é essencial, pois, se mal planejada, a gamificação pode priorizar a diversão em detrimento da aprendizagem do conteúdo. Além disso, a criação de estratégias de gamificação demandam um investimento de tempo dos professores;
Dificuldade em avaliar as atividades gamificadas: os professores demonstram uma dificuldade em entender como podem avaliar o sucesso das atividades gamificadas, seja como uma avaliação formativa, seja uma avaliação somativa;
Atividades gamificadas mal planejadas podem ter efeitos negativos: é essencial que as atividades gamificadas se preocupem com os pontos apresentados até aqui, do contrário elas podem causar efeitos negativos nos estudantes. Alguns estudos apontam perda de performance (ex. jogos onde os alunos não entendem as regras), comportamentos não desejados (ex. competição exagerada levando à ansiedade) e indiferença (ex. jogos que não estimulam a participação dos alunos porque são muito fáceis).
Para contornar esses desafios, é essencial que a equipe pedagógica tenha treinamento para lidar com a inserção da gamificação no contexto local e que consigam avaliar a eficiência dessas estratégias e ajustar as técnicas, se necessário.
Como aplicar a gamificação na sala de aula?
É impossível fazer um guia que funcione para todas as situações e conteúdos possíveis, mas vale aqui trazer algumas dicas e cuidados:
Antes de gamificar, identifique quais habilidades ou conteúdos deseja reforçar. A gamificação deve servir aos objetivos pedagógicos, não apenas ser um "jogo por jogar".
Com os objetivos pedagógicos definidos, busque desenhar uma proposta de gamificação que se encaixe com sua turma, escolhendo os elementos adequados
Construa o jogo, se tiver alguma construção física (ex. criar um tabuleiro)
Apresente o jogo para a sua turma, explicando os objetivos, regras e o sistema de feedbacks
Execute o jogo e depois avalie com a turma o que eles acharam, anotando possíveis melhorias para próximas ações do tipo
Uso de recursos tecnológicos
A tecnologia oferece diversas ferramentas para gamificar a aprendizagem, como:
Plataformas adaptativas: aplicativos como Kahoot!, Quizizz e Duolingo transformam exercícios em jogos interativos com rankings e recompensas.
Ambientes virtuais: jogos como Minecraft: Education Edition permitem explorar conceitos de história, matemática e ciências de forma imersiva.
Realidade Aumentada (RA) e Virtual (RV): ferramentas como Google Expeditions levam os alunos a cenários virtuais, tornando o aprendizado mais visual e envolvente.
Uso de recursos analógicos
Nem toda gamificação depende de tecnologia. Muitas estratégias podem ser aplicadas com materiais simples, como:
Jogos de tabuleiro adaptados: professores podem criar versões de jogos como "Banco Imobiliário" para ensinar matemática financeira ou "Detetive" para trabalhar raciocínio lógico.
Cartas e flashcards: baralhos temáticos podem ser usados para revisar conteúdos de forma dinâmica.
Caça ao tesouro: atividades com pistas e desafios relacionados ao conteúdo curricular estimulam a investigação e o trabalho em equipe.
Role-Playing (RPG) educativo: os alunos assumem papéis de personagens (ex.: revolucionários franceses) e tomam decisões com base no contexto estudado. As missões podem simular desafios de carreiras (ex.: médicos diagnosticam casos fictícios).
Avaliação de atividades gamificadas
A avaliação em contextos gamificados deve ir além da tradicional pontuação quantitativa da avaliação somativa, incorporando mecanismos de feedback contínuo (como progressão por níveis, badges e relatórios de desempenho) para monitorar o desenvolvimento do aluno de forma formativa.
É essencial alinhar os critérios de avaliação aos objetivos pedagógicos do jogo, combinando métricas de engajamento (ex.: participação, colaboração) com indicadores de aprendizagem (ex.: domínio de conceitos, resolução de problemas).
Ferramentas como rubricas adaptativas, autoavaliação dos alunos e análise de dados gerados pelas plataformas (ex.: tempo de resposta, dificuldades recorrentes) podem ajudar a equilibrar a dimensão lúdica com a eficácia educacional, evitando que a gamificação se torne apenas entretenimento sem propósito.
Que tal planejar o uso de uma estratégia de gamificação em uma aula? O importante é começar!
Referências:
Bai et al., 2020. Does gamification improve student learning outcome? Evidence from a meta-analysis and synthesis of qualitative data in educational contexts. Educational Research Review, Vol. 30.
Deterding, et al., 2011. From game design elements to gamefulness: defining "gamification". Proceedings of the 15th International Academic MindTrek Conference: Envisioning Future Media Environments.
Huizinga, 2019. Homo Ludens. Editora Perspectiva: São Paulo.
Kapp, 2012. The Gamification of Learning and Instruction. Pfeiffer: San Francisco.
Neto, 2015. Gamificação: engajando pessoas de maneira lúdica. Fiap: São Paulo.
Rodrigues et al., 2020. Personalized gamification: A literature review of outcomes, experiments, and approaches. Eighth International Conference on Technological Ecosystems for Enhancing Multiculturality (TEEM’20).
Toda et al., 2019. Analysing gamification elements in educational environments using an existing Gamification taxonomy. Smart Learning Environments, 6:16.
Toda et al., 2023. Gamification Design for Educational Contexts: Theoretical and Practical Contributions. Springer: Gewerbestrasse.
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